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CACAU

TEM UM BLOG

O ano: 2020. O desejo: ter um blog.


Parece que foi ontem tocava este barulhinho e enquanto a internet discava, um portal para um mundo cheio de possibilidades se abria. Parece que foi ontem nada, vai. Faz uns bons vinte anos e quando penso em contar pra minha filha que certa vez aconteceu que a gente meio que tinha que ligar pra internet pra conectar. Já imagino a carinha de descrença e uma leve desconfiança de que não é possível.





Um fotolog em que a gente só podia publicar uma foto por dia e, se fosse um mero mortal, se podia receber 10 comentários por vez. Um ambiente de bate papo chamado mIRC em que tinha um negócio de canal e ban e kick, mas confesso nem lembrar mais como exatamente funciona. A gente se mandou muito scrap e testimonial (não aceita, por favor!) no Orkut. Como cantou a canção, teve scraps, e-mails e powerpoint. Teve uma jornada interwébica até aqui. Tenho pensado muito nela. Tenho pensado muito em mim nesses anos todos existindo onlinemente.


Não tô dizendo que era bom, aquele risco de Minha Mãe pegar o telefone e cair a conexão. Ou que era tranquila a regra de Meu Pai de que só podia conectar no fim de semana ou depois das dez da noite. Calma, lá. Mas fico tentando lembrar se Ana Carlinha internauta de outrora se imaginava usando a internet pra trabalhar. Enfim, estando conectada à internet o tempo todo desse jeito que é a vida hoje.




Fico pensando naquele blog da adolescência que se chamava Cogitações e talvez pensar demais é um mal que me persegue faz tanto, tanto tempo. Antes de blog, antes de conexão discada. Lembro de começar a pensar demais aquele dia que roubei uma goiaba acometida por um espírito de Chico Bento e me perdi entre o estar acordada e dormindo, refazendo meus passos, culpada. Será que deveria ter pego a goiaba? Será que aquela senhorinha da janela viu? Ela vai chamar a polícia? Pra quem ela vai contar? Cogito ergo sum. Penso logo existo. De onde Ana Carlinha de 13 pra 14 anos encontrou Descartes pra usar essa inspiração de nome de blog. Não lembro de nada do que escreveu lá. Sou péssima em backups. Sou doida da faxina (somente) de rastros de internet.


Fotolog. Orkut. Blog. Outro blog. E outro. Já deletei tanta coisa só pra não ter de encarar quem eu estava sendo em outra fase da vida. Que dó, eu tenho hoje. Queria ainda acessar esses rastros de quem já fui, eles podiam me ajudar a entender quem estou sendo. Paciência. Só me resta ser sendo gerúndio neste caminho.


Sigo pensando demais, mas tô aqui tentando perder o medo de fazer, um pouquinho.




O ano: 1999 (quase 2000). O medo: o bug do milênio.


Quando 1999 virou 2000 eu esperava uma explosão cósmica. Sem brincadeira, olhei pro céu pra saber se algum caco de cometa vinha em minha direção. Ou se alguma daquelas luzes que piscavam no céu junto às estrelas eram um sinal de invasão alienígena. No fundo, eu torcia pra ser só mais um avião. Mas o medinho estava lá.


Pois bem, o mundo não acabou (assim, literalmente, parece). Os bancos seguiram funcionando -- lembro do Jornal Nacional passar uma reportagem bastante preocupada com isso. A TV não parou de funcionar. O rádio que chiava na estrada voltou a funcionar quando chegou na cidade. Era 2000, mas as coisas seguiam funcionando como nos anos 90.

Não sei se lembro exatamente como chegamos aqui. Agora. Os carros não voam. As roupas são bem menos prateadas do que o prometido. Não precisa telefonar pra internet, mas a gente só se liga por lá. Estou fazendo um tratamento pra uma doença que eu nem sabia que ainda existia e estou estreando um blog. Peguei tempo, espaço, ou a falta de tempo e espaços (separados) e aqui estou. Uma millennial, meio das antigas, completamente bugada. Do bug do milênio, sobrevivemos todos. O bug da millennial é uma tentativa de seguir sobrevivendo a tudo isso. Bora juntas?





***


Já estava com a ideia de escrever num blog e inspirada pela #estaçãoblogagem, proposta de blogagem coletiva Aline Valek e Gabi Barbosa. Na rabeirinha da primeira semana de novembro, publico meu primeiro post sob a regência do naipe de paus."O naipe de paus está ligado diretamente à energia do fogo e basta pensar no significado deste elemento para a humanidade — nós não vivemos sem ele. É um naipe impulsionador, dinâmico e que fala da nossa criatividade. O que te sustenta? O que te estimula? O que te dá paixão?"



Atualizado: 8 de nov. de 2020

“Vocês têm um piano!” Escutei algumas vezes com essa história das reuniões serem um pouco na minha sala (e de quem mais estivesse do outro lado da câmera). Fazemos parte de um grupo de e-mails de pais da universidade. As pessoas anunciam coisas aleatórias. Alguém pedindo uma indicação de babá, dicas de creche dentro e fora do campus. Certa vez teve um pai perguntando se alguém tinha uma fantasia da Grifinória, tamanho 10. O grupo é animado e impossível de acompanhar, sempre tem uma família se desfazendo de mil coisas porque está se mudando e todo mundo aqui parece estar de passagem. Quando o negócio é muito bom, nem dá tempo do santo desconfiar, a oferta acaba antes disso. Nossa maior conquista foi Tobias, o maravilhoso robô aspirador, por um valor quase simbólico perto do que custaria se fosse comprado numa loja. Conseguimos uma doação de berço assim que chegamos (e com isso a descoberta que minha filha não gosta de berço). E enfim, um dia alguém estava oferecendo um piano. "É só vir pegar". 


Imagine só ir pegar um piano. Mas numa aventura bem louca, alugamos uma van, recrutamos uns amigos -- literalmente carregadores de piano, cuidado ao ser nosso amigo hahaha -- amarramos o dito cujo num carrinho de mudança e agora mora um piano em nossa sala. Ele tem cor de Fusca azul calcinha. Filhota ama, marido arranha umas notas e eu tento reencontrar minha eu-criança que fazia aulas e sonhava em alcançar os pedais.


Aprendi a tocar piano bem pequena. Eu estava predestinada com esses meus dedos longos. Comecei as aulas na primeira série, numa escolinha de bairro, nos fundos da casa de uma professora ótima, mas meio brava. Ela dizia que fazia mal comer cheetos, apesar de cheetos ser meu lanche de toda tarde que eu ia pra lá. Toda terça e quinta, até passar na prova pro Conservatório de Música de Sergipe. 



O conservatório era coisa de gente grande, não era a bandinha da garagem do bairro que um dia eu tocava triângulo, no outro pandeiro, no outro reco-reco. Era de gente grande e eu amava as aulas práticas. Eu lembro da minha professora, acho que se ela chamava Fátima, uma mulher negra e alta e elegante e sorridente. Sempre com cabelos presos e unhas enormes e bem feitas, pintadas de vermelho ou rosa-shock. Se eu fechar os olhos, lembro de como as unhas delas estalavam nas teclas, tec. Eu achava ela maravilhosa. Já a professora de teoria musical eu não lembro de nada, do nome, da cara, de nada. Só de que eu achava ela chatérrima. Tudo da aula de teoria musical era chato. Fazia calor, eu achava todo mundo velho na sala, enfim, não queria saber de desenhar notas, queria tocar. A teoria era um saco.


Eis que minha prodigiosa carreira de pianista acabou porque eu tinha uma prova de teoria musical num dia de jogo do Brasil na Copa de 98. Meu pai disse que era impossível ter prova em dia de jogo do Brasil, insisti que tinha e que a professora era chata, então por isso certeza que tinha. Todos em casa chegamos à conclusão de que, realmente, não tinha como ter essa prova, eu só podia ter me confundido. Só que teve e eu tirei zero. Odiei ainda mais a professora e convenci meus pais de que não queria mais aquilo, a não ser que me dessem um piano. Claro que eles não me dariam um piano e eu sabia disso, por isso criei essa condição. 


Eu tinha um teclado, mas teclado não era a mesma coisa. Minha desculpa era que quando eu colocava o peso dos dedos do piano nas teclas do teclado, fazia um tec que não era, nem de longe, o tec chique das unhas gigantes da professora Fátima. Não tinha como treinar direito. Pois bem, larguei o piano. E escondi bem escondido aquele zero. Em 98 o Brasil perdeu a Copa e uma futura grande pianista (haha!).


Agora eu alcanço os pedais, mas não sei como usá-los. Decidi que quero aprender uma música do Elton John. Não sou uma grande fã de Elton John e, pensando bem, não sei nada sobre Elton John. Mas parece ser a coisa certa a se fazer quando se tem um piano -- azul calcinha -- em casa. Estou me entrosando com os dois primeiros versos de Tiny Dancer e tenho certeza que nunca serei capaz de tocar e cantar ao mesmo tempo, para o bem de todos, verdade seja dita. Mas a versão fácil que achei na internet demanda muito boa vontade pra entender que aquele si-sol-lá-sol-mi realmente corresponde a Blue-jean La-dy.





Para a surpresa de ninguém, não foi o peso das teclas do piano que me transformaram em uma pianista virtuosa. Tampouco lá atrás o problema realmente era o teclado. Ou a pobre professora de teoria musical. Eu só não queria lidar com algo que era difícil, demandava esforço, dedicação e o não-sucesso imediato trazia frustração. Eu não conseguia me divertir tentando. É muito difícil se divertir tentando fazer algo que você não é boa fazendo, que é complexo, que exige que você seja ruim um tempão pra quem sabe um dia, talvez, pode ser que com muito treino, você se tornar boa naquilo. Mas dá. Dá pra se divertir na tentativa, e talvez a tentativa seja tudo o que a gente tem.


O repertório aqui em casa hoje consiste em: ABC (in English êi, bí, cí), Brilha Brilha Estrelinha (que é igual a ABC), Parabéns pra Você, Asa Branca, Cai Cai Balão, DóRéMiFá (versão estendida com a barata na careca do vovô) e Baby Shark -- tchutchutchurutchuru -- a que faz mais sucesso, a pequena canta junto.


Sentados no piano azul calcinha, a gente até esquece que não está em casa só pra brincar daquilo ali. Desculpem, vizinhos, estamos nos divertindo tentando.


* bônus track 1


Li em duas ou três sentadas o livro de estreia de Daniela Kopsch, O Pior Dia de Todos, é dessas leituras que colam na gente. Impressionante como ela conseguiu contar uma história bonita de amizade, cheia de amor, pra falar de um episódio hediondo. Da importância de preservar a memória do que não se pode esquecer e de como a literatura pode salvar a gente.


* bônus track 2


O cinema também salva e aqui uma lista de filmes pra assistir nesses dias e não perder a esperança na humanidade, mesmo -- talvez principalmente -- em tempos esquisitos.


***


Escrevi este texto no começo da pandemia quando eu ainda tinha esperanças de que daria tempo apenas de aprender uma música e sairíamos melhores dessa. Enviei ele na minha newsletter [correio da cacau], onde falo sobre coisas aleatórias e a periodicidade é quando dá e olhe lá. Clica aqui se quiser se inscrever :-)

Atualizado: 8 de nov. de 2020



Esse aqui é meu jeito favorito de cortar carboidratos hahahaha. Brinks à parte, venho por meio desta confessar uma frustração de pequenezas quarentenais: meu pão não faz alvéolos como os dos vizinhos de perfil 😂


Cada pão bonito que aparece neste feed e meu pão aqui, com uns buraquinhos modestos. Não consegui dominar o fermento natural, talvez por falta de paciência, talvez porque tive agonia da quantidade de farinha que usa pra fazer manutenção. Apesar de achar inacreditável o poder do que a combinação água + farinha + tempo pode criar. Bonito demais, mas apelei pro fermento que vem no potinho mesmo.


E olhe, conto pra você que os alvéolos (que palavra é essa gente?) não são lá os mais fotogênicos, mas a sensação de completar uma missão com começo-meio-fim nesses tempos que a gente não consegue planejar o amanhã é uma micro-vitória gostosa por demais. Li até um artigo que dizia que completar uma tarefa com clareza de começo, meio e fim, tipo fazer um pão, libera um hormônio de satisfação que deixa a gente mais felizinha. Vai que é por isso que nos EUA até faltou farinha nos estoques dos mercados. Tá valendo tudo pra ficar mais felizinha neste caos.


Do amanhã não dá pra saber, mas se organizar direitinho, sai um pão quentinho.


***

Postei este texto no meu perfil do instagram e vira e mexe falo uns negócios lá. Vai que cê quer me seguir em @cacauaraujo.

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